Episódio 1 - O que é um Deus?
EMÍLIA PROVA A AMBROSIA
Quando os personagens do Sítio vão à Grécia Antiga em busca de Tia Nastácia, que fora sequestrada pelo Minotauro, o trio formado por Emília, Pedrinho e o Visconde chegam bem perto dos deuses do Olimpo, disfarçando-se de arbustos. Emília, então, sempre proativa, dá um jeito de realizar o sonho de todo o aficionado por mitologia: provar o néctar e a ambrosia.
Os “arbustos” tiveram a atenção atraída por um rapagote de grande beleza, mas que não dava a ideia de um deus. E não era. Era Ganimedes, o menino que Zeus raptou da terra para transformá-lo em garçom do Olimpo. Entrou com uma bandeja de ouro na qual se viam várias ânforas e taças.
— Chegou a hora! O garçom do Olimpo vai oferecer uma taça de néctar a Zeus!
Ao ouvir a palavra néctar, Emília ficou assanhadíssima, chegando a botar a cabeça fora da galharada. Pedrinho teve de pregar-lhe um beliscão.
— O néctar! O néctar! — repetia a diabinha. — Olhem o regalo de Zeus! Que delícia não deve ser o tal néctar…
Depois de servir a divina bebida, Ganimedes apresentou os pratos de ouro com ambrosia.
Segundo assanhamento da Emília e segundo beliscão de Pedrinho. Ela queria por força correr até lá, ver, pegar, cheirar — devorar o alimento dos deuses.
Concluída a sua olímpica refeição, o deus dos deuses mandou que Ganimedes servisse aos demais. Imediatamente Eros espichou a mãozinha e “pescou” uma dedada de ambrosia — e Emília, lá dentro da sua túnica de folhas, lambeu os beiços. Seus olhos seguiam Ganimedes.
— Quero ver para onde ele vai depois de servir a todos.
Ganimedes serviu a todos e retirou-se para certo ponto do Olimpo, onde uma nuvenzinha cor de madrepérola servia de copa.
— É lá a copa do Olimpo — sussurrou Emília. — É lá que guardam as ânforas de néctar e os pratos de ambrosia — e começou a arquitetar um plano. Assim que viesse a noite e os deuses ferrassem no sono, os três se aproximariam da nuvenzinha-copa e mandariam o Visconde furtar um pouco de néctar e de ambrosia.
O Visconde suspirou. Ele, sempre ele. Só se lembravam dele nos lances perigosos, ai, ai…
A impaciência de Emília aumentava, e por proposta sua foram se afastando dali a fim de escolherem posição mais estratégica.
O novo ponto em que se colocaram revelou-se ótimo. Permitia-lhes ver todo o interior da copa e localizar o deslumbrante móvel, todo de ouro, em que Ganimedes guardava as divinas substâncias.
— É a geladeira do Olimpo — disse Emília — e o garçom esqueceu-se de fechar a porta. Que bom…
Ah, como estava custando a anoitecer! A ex-boneca sapateava de impaciência. Punha os olhinhos no sol e dizia: “Mais depressa, Hélio. Deite-se hoje mais cedo.”
O sol, afinal, deitou-se na sua cama do horizonte. A Noite foi desenrolando por sobre o mundo as suas peças de crepe. Os deuses recolheram-se cada qual à sua nuvem. Entrou a reinar um silêncio verdadeiramente olímpico.
— É hora — murmurou Emília — e deu as últimas instruções ao Visconde, o qual as ouviu com o suspiro de sempre. “Agora desça a mala” — e depois que o Visconde arriou a maleta, Emília abriu e tirou de dentro um vidro e um pires.
— Para que isso? — perguntou Pedrinho.
— É boa! Para pegar o néctar e a ambrosia.
— Ah, linda…
— Claro. Costumo prever tudo. Se não fosse a minha idéia de trazer esse vasilhame, como iríamos nos arranjar agora? Quando penso num caso, penso direito, penso até o fim, sem esquecer coisíssima nenhuma. Tome, Visconde, este vidro e este pires; encha o vidro de néctar e ponha no pires um bom pedaço de ambrosia — um bom pedaço, veja lá! Faça isso e volte correndo, porque se o garção o pilha, faz como Juno fez para o Vulcaninho — arroja-o sobre a Ilha de Lemnos.
O Visconde tomou o vidro e o pires e lá se foi, pé ante pé, para a nuvem-copa. Diante da geladeira executou as ordens recebidas — néctar no vidrinho e um bom pedaço de ambrosia no pires. E, olhando para todos os lados voltou, no maior dos ressabiamentos.
Mal se reuniu aos companheiros, Emília quase lhe arrancou das mãos as duas preciosidades. Cheirou o vidrinho e provou o conteúdo na ponta do dedo.
— Ah, era o que eu pensava! Mel dos deuses — mas um mel mil vezes mais gostoso que o das abelhas. Não enjoa, não é doce demais. Prove, Pedrinho. Veja que suco…
Pedrinho provou o néctar e estalou a língua.
— Maravilhoso, Emília! Vale a pena ser deus só para chuchurrear este assombro de gostosura — e provou de novo, e daria conta do vidro inteiro, se Emília lho não arrancasse das mãos. “Isto vai para Narizinho. Vejamos agora a ambrosia.”
Tomou o pires, cheirou o alimento dos deuses, provou-o com a ponta da língua e fez cara de quem procura lembrar-se duma semelhança. Por fim exclamou:
— Curau de milho verde, Pedrinho! Curau do bom — mas muito melhor do que o de tia Nastácia. Prove…
Pedrinho tirou uma dedada e levou-a à boca. Seus olhos se arregalaram.
— Sim, curau, não há dúvida. Mas que curau, Emília! Gostosíssimo — e tirou outra dedada.
Emília puxou o pires para continuar no exame do creme divino. Pensou:
— Se é da família dos curaus, não vale a pena levar, porque azeda. Que pena! Narizinho vai morrer de desgosto…
E como não valia a pena levar porque azedava, resolveram comer toda a ambrosia ali mesmo. O Visconde lambeu o pires.
(Monteiro Lobato – O Minotauro)
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